O diagnóstico, tratamento e prevenção do mau-hálito tem vindo a ganhar cada vez mais interesse pelos profissionais da área da medicina-dentária.
A medicina-dentária está sobretudo vocacionada para o diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças como:
- Cárie
- Doenças do tecido pulpar dos dentes mais conhecido como “nervo dentário” (ex: pulpites, abcessos dentários);
- Doenças dos tecidos moles da boca (ex: gengivites, periodontites, abcessos gengivais, candidíases, herpes, síndrome de boca ardente, tumores);
- Doenças dos ossos maxilares (ex: quistos, tumores);
- Problemas de mau relacionamento dentário seja entre dentes vizinhos (ex: dentes desalinhados, dentes apinhados, dentes afastados) ou entre os dentes do maxilar superior e inferior (ex: mordidas cruzadas, prognatismo mandibular);
- Problemas nos músculos mastigatórios e nas articulações temporo-mandibulares muitas vezes causadores de dores associadas à face, pescoço, ouvidos e cabeça bem como bloqueios articulares bastante constrangedores;
- Problemas de falta de dentes solucionados com recurso a próteses removíveis (ex: próteses acrílicas, esqueléticas, flexíveis, algumas com possibilidade de retenção com implantes ) ou próteses fixas (ex: pontes dento suportadas ou implanto suportadas);
- Problemas relacionados com a estética dentária e com sorriso em particular.
Afinal, tenho mau hálito?
Ultimamente por força das circunstâncias o diagnóstico, tratamento e prevenção do mau-hálito tem vindo a ganhar cada vez mais interesse pelos profissionais da área da medicina-dentária. Efetivamente a halitose pode causar sérios transtornos na vida social, afetiva e profissional dum indivíduo que se podem refletir inclusive na sua estabilidade emocional. Para complicar mais este problema basta pensar que:
- Normalmente os portadores de halitose sentem dificuldade em auto identificar a halitose devido à capacidade que o nosso nariz tem de se acostumar com os diferentes cheiros;
- A maioria dos profissionais de saúde quando detetam uma halitose não advertem os pacientes seja por pudor seja por receio que tal desencadeie uma reação negativa no paciente;
Mas afinal como saber se tenho halitose? A forma mais correcta para começar é perguntar a alguém em quem confie como está o seu hálito (ex. dentista, higienista, médico ou simplesmente um amigo). Basicamente existem 2 métodos clínicos para avaliar a halitose. No primeiro chamado de “organoléptico”, o examinador usa a sua capacidade olfactiva para classificar o odor emanado pelo paciente. Este método além de constrangedor para o paciente depende muito do olfacto hábil do examinador. No segundo método, chamado de “Analítico”, é utilizado equipamento electrónico que quantifica de forma objectiva os compostos sulfurados voláteis (CSV) responsáveis pelos odores desagradáveis expelidos pela boca.
É importante realçar que em média, em cada 10 pacientes que procuram tratamento para a halitose, 4 não apresentam resultados positivos, ou seja, objectivamente não tem halitose mas acreditam ser portadores dela. É a chamada Pseudo-halitose. Normalmente tal deve-se a um distúrbio que modifica a precepção gustativa (disgeusia) e/ou olfactiva (cacosmia) que faz com que o paciente em causa sinta dificuldade em diferenciar a gustação da olfação e por isso em determinadas situações, interprete o mau gosto como mau hálito acreditando ser portador de halitose. Nestes casos, é necessário explicar aos pacientes que a intensidade do odor oral detectado se enquadra perfeitamente dentro dos valores normais e socialmente aceitáveis e que eventualmente deverá fazer uma consulta mais dirigida para o despiste deste tipo de distúrbios. Geralmente após tal explicação e sobretudo se o resultado se baseou em leituras analíticas concretas (ex. cromatografia gasosa ou mesmo o Halimeter), os pacientes aceitam e respondem favoravelmente.
No entanto existe uma pequena percentagem de pacientes que permanecem convencidos de que continuam a sofrer de mau-halito, seja após o diagnóstico e esclarecimento duma pseudo-halitose seja após o tratamento com sucesso duma halitose verdadeira que padeceram mas que não padecem mais (basta comparar os altos valores obtidos com equipamento adequado para o odor oral antes do tratamento com os valores normais obtidos após o tratamento). Tais casos são classificados de Halitofobia, condição análoga ao síndrome de referência olfatório caracterizado pela preocupação persistente dos pacientes com o odor corporal. Tais casos devem ser encaminhados para psicólogos ou psiquiatras pois estão normalmente associados a depressão ou rejeição social.
Pela manhã ao acordar, o hálito é geralmente mais forte e desagradável devido não só à hipoglicemia do jejum que obriga o organismo a degradar as reservas de gordura da qual resulta a libertação via pulmonar de corpos cetonicos de odor desagradável, mas sobretudo devido à drástica redução durante o sono seja do fluxo salivar seja dos movimentos da língua e lábios que contribuem para uma autolimpeza da boca. Tais factos propiciam o acúmulo e putrefação seja de células epiteliais descamadas da cavidade oral seja de resíduos alimentares, que originam a formação de uma camada esbranquiçada, aderida sobretudo ao 1/3 posterior da língua (região com fraca influencia do fluxo salivar), denominada “saburra lingual”.
Contudo este mau hálito matinal denominado halitose fisiológica é transitório se for controlado com uma adequada higiene oral. Caso a halitose permaneça ao longo do dia, então deve tratar-se de halitose patológica, a qual deve merecer cuidados especiais quanto ao seu diagnóstico, orientação e tratamento. A maior parte da halitose está relacionada com a degradação da já referida saburra lingual por bactérias residentes na superfície da língua, da qual resulta a libertação de compostos de odor desagradável sobretudo os já referidos compostos sulfurosos voláteis (CSV). Outras causas importantes de halitose são:
- Doença gengival (ex: gengivites e sobretudo periodontites). A doença periodontal é provocada por bactérias que libertam gases de odor desagradável. Estudos demonstraram que em pacientes sujeitos a tratamento periodontal houve uma redução consistente da halitose;
- Presença de placa bacteriana e tártaro nas superfícies dos dentes;
- Cavidades cariosas e restaurações dentárias deficientes que promovam a retenção alimentar e bacteriana;
- Língua fissurada que facilita a acumulação de microorganismos e detritos alimentares e ao mesmo tempo dificulta a limpeza;
- Próteses removíveis velhas e sobretudo mal adaptadas. Com o avançar da idade verifica-se uma atrofia do osso dos maxilares (sobretudo nas áreas desdentadas), tornando as próteses desadaptadas ou mesmo inadequadas na medida que promovem retenção alimentar e bacteriana além de outros problemas como falta de estabilidade e retenção. Em alguns caso é possível readaptar as próteses através de um enchimento ou rebasamento porém noutros casos só a substituição resolve de forma eficiente os problemas de base. As prótese fixas também sofrem deste problema porém não é possível readaptá-las, apenas se podem substituir caso os dentes pilares ainda ofereçam garantias;
- Alterações na composição da saliva. A saliva desempenha um papel fundamental pois além de contribuir para uma auto-limpeza da cavidade oral, é fundamental para o equilíbrio da flora bacteriana oral, manutenção do pH entre outras funções. Sabe-se que factores como a maior viscosidade salivar, pH ligeiramente alcalino ou fluxo salivar diminuído tornam um indivíduo mais propenso a halitose;
- Candidíase oral normalmente associada a uso crónico de inaladores orais à base de corticoides ou antibioticoterapias prolongadas;
- Processos de cicatrização oral (ex: alveolite ou seja má cicatrização post extracção dentária)
Estudos realizados por equipes multidisciplinares compostas por gastroenterologistas, otorrinolaringologistas, dentistas, nutricionistas e mesmo psiquiatras e psicólogos, constataram que cerca de 80% das causas de halitose são efetivamente de origem oral (etiologia oral). Perante este cenário o dentista é o especialista mais bem posicionado seja para diagnosticar seja para tratar ou mesmo sugerir orientação especializada caso se desconfie que a causa da halitose é extraoral ou mesmo de etiologia mista (oral e extraoral). Sendo assim outras causas que podem desencadear ou agravar uma halitose são:
- Patologia de foro otorrinolaringológico como sejam:
- Cáseos amigdalianos – pequenas “bolinhas” brancas compostas sobretudo por restos alimentares, células epiteliais descamadas e alguns microorganismos que se alojam em pequenas cavidades ou criptas das amígdalas;
- Respiração bucal – Tal patologia é decorrente de múltiplos fatores que levam a obstrução nasal (ex: pólipos nasais) e secundariamente boca seca e presença de muco espesso aderido à garganta;
- Sinusite e rinite alérgica causam secreções de odor desagradável que gotejam na faringe;
- Presença de corpos estranhos na cavidade nasal, típico nas crianças e em pacientes com debilidade mental;
- Alguma patologia respiratória
- Patologia gástrica sobretudo se acompanhada de refluxo gastroesofágico. Ao contrário do suposto pela maioria das pessoas, a patologia gástrica apenas intervém numa reduzida percentagem de casos de halitose.
- Diabetes e outras alterações metabólicas causadoras de xerostomia= “boca seca”;
- Patologia auto–imune (ex: síndrome de Sjorgren)
- Alguma medicação pode causar secura da boca em alguns pacientes e consequentemente halitose (ex: alguns anti-histamínicos, alguns anti-depressivos, alguns anti-hipertensores, alguns anti-parkinson, outros)
- Intoxicações por metais pesados
- Insuficiências hepáticas e/ou renais
- Idade. Os pacientes jovens apresentam hálito mais adocicado e os pacientes idosos hálito mais forte e pesado. Nos idosos, uma característica bastante peculiar que contribui para a halitose é a presença de sulcos e fissuras linguais que favorecem o depósito de saburra lingual. Nestes casos a higienização lingual é fundamental para prevenir a halitose ou reduzir a halitose.
- Períodos de intensa atividade hormonal feminina (ex: menstruação, gravidez e amamentação) podem frequentemente estar associados a halitose transitória;
- Stress e ansiedade. Estudos realizados com ratos mostraram que o stress provocado nesses animais induzem a produção dos já referidos compostos sulfurosos voláteis sobretudo porque em situações de stress o sistema nervoso autónomo reduz o fluxo salivar. Este fenómeno manifesta-se claramente quando se tem de falar em público (halitose do conferencista), podendo ser atenuado com a ingestão de água durante o discurso;
- Utilização abusiva de colutórios com álcool. O álcool tem a particularidade de secar a mucosa oral;
- Consumo abusivo de álcool;
- Tabaco e outras drogas sobretudo porque a longo prazo secam a mucosa e favorecem a descamação oral ao mesmo tempo que pioram as condições gengivais. Estudos referem que os resíduos do tabaco que pervertem o odor oral não tem influencia no hálito ao final de 2 horas;
- Alimentação desadequada.
Na verdade a halitose não deve ser considerada como uma doença mas antes deve ser encarada como um indicador de que algo não está bem no organismo, seja do ponto de vista patológico, fisiológico ou simplesmente uma questão de hábitos de higiene oral deficientes. No entanto não deixa de ser um problema de saúde pública, basta olhar para os seguintes dados:
- atinge uma larga faixa da população (alguns autores referem valores que rondam os 25% da população dos quais 2% é halitose severa);
- na América do Norte gasta-se uma media de 1 bilião de dólares em colutórios, desodorizantes orais, pastilhas, etc, para combater a halitose.
É por isso que grandes grupos económicos continuam a investir forte em produtos que visam melhorar o mau hálito:
- gera incapacidade social e dificulta as relações humanas podendo mesmo conduzir a neuroses, isolamento social, processos de divórcio;
- quando a halitose está associada à presença de saburra lingual (camada esbranquiçada aderida ao dorso da língua e formada como já foi referido por restos alimentares, células epiteliais mortas, bactérias, etc.), à uma óbvia diminuição do paladar por obstrução das papilas gustativas linguais. Para compensar esta falta de paladar muitos pacientes inadvertidamente aumentam as quantidades de açúcar e sal na dieta o que agrava e aumenta os casos de hipertensão arterial e diabetes.
Paradoxalmente a pesquisa científica associada à halitose continua a ser reduzida em contraste com a grande preocupação pública que suscita. Mais pesquisas científicas são necessárias sobretudo para avaliar a efetividade dos agentes químicos auxiliares usados para combater a halitose bem como as suas causas. O tratamento da halitose deve consistir basicamente em fazer diminuir a produção dos já referidos compostos sulfurosos voláteis (CSV), principais responsáveis pelo mau odor e não apenas mascarar o mau hálito. As medidas universalmente aceites para combater a halitose são:
- Aperfeiçoamento da técnica de escovagem dentária.
- Escovagem dos dentes 3x dia. Estudos comprovam que a remoção de placa bacteriana 8-8 horas é suficiente verificando–se inclusive que os resultados obtidos com 4 escovagens diárias não trazem benefícios que justifiquem a adopção de tal medida;
- Uso de fio-dentário;
- Raspagem lingual após escovagem dos dentes, um costume muito pouco frequente mas sem dúvida o mais importante quando falamos de halitose.
Um estudo em que foram testados diferentes métodos para limpar o dorso da língua (ex: raspador lingual, escova de dentes, gaze, ou simples colher de café), concluiu que o raspador lingual além de apresentar melhor rendimento diminui a propensão ao vómito. O método da gaze mostrou ser o método menos eficiente.
• Alimentação adequada a cada 3-4 horas;
• Evitar o consumo de álcool e tabaco;
• Controlar o stress;
• Manter a boca saudável, livre de cáries, gengivites ou periodontites;
• No caso do paciente ser portador de próteses removíveis ou outro tipo de aparelhos dentários removíveis, o mesmo deve ser instruído para após as refeições escovarem as respectivas próteses e antes de deitar, as mesmas devem ser mergulhada numa solução concebida para o efeito ou em alternativa numa solução de 1 colher de sopa de hipoclorito de sódio a 0,5% diluída em ½ copo de água.
Dada a limitação dos métodos mecânicos para efetivamente alcançar e anular as bactérias responsáveis pela degradação das proteínas ricas em enxofre e consequente produção dos CSV, torna-se imperioso pelo menos numa primeira fase, associar 1 ou mais colutórios de composição específica (ex: à base de óleos essenciais, clorohexidina, cetilpiridino, triclosan, dióxido de cloro ou lauril sulfato de sódio), sempre que possível sem álcool, de efetividade comprovada e durante períodos limitados de tempo. Recomenda-se gargarejos e não bochechos, pelo menos 2 x dia para desinfectar a zona posterior do palato ou “céu-da-boca”, base da língua e região amigdalina. Após usar um colutório, não se deve comer nem sequer mastigar pastilhas.
Carvalho y cols. 2004 realizaram um estudo clínico que incluía supressão de limpeza mecânica de placa durante 4 dias para avaliar a efectividade de 4 colutórios na halitose matinal. Os colutórios testados foram o triclosan a 0,03%, clorhexidina a 0,12%, óleos essenciais e cetilpiridino a 0,05%. placebo como controlo negativo e clorhexidina a 0,2% como controlo positivo. A redução da halitose (redução dos compostos sulfurosos voláteis): 1º-clorhexidina a 0,2% 2º – clorhexidina a 0,12% 3º-triclosan 4º- óleos essenciais com cloreto de cetilpiridinio.
No entanto, segundo Alves, Daniel; Costa, Ana L.; Almeida, Ricardo F.; Carvalho, João F.C.; Felino, António; Publicado na Rev Port Estomatol Med Dent Cir Maxilofac.. 2012;53:181-9, apesar da evidência científica ser ainda escassa, a utilização de colutórios contendo CPC como complemento às formas mecânicas de higiene oral parece fornecer um pequeno, mas significativo, benefício na redução da placa bacteriana e da inflamação gengival, quando comparado com escovagem ou escovagem seguida de bochechos com placebo. A par destas medidas deve-se adequar a alimentação nomeadamente:
- Evitar alimentos ricos em enxofre nomeadamente se fazem parte da dieta habitual: alho, cebola e queijos de cor amarela (normalmente mais gordos) são os principais. Outros como agrião, abacate, avelã, brócolos, batata doce, couve-flor, ervilha, feijão, lentilha, melão, melancia, nabo, pepino, rabanete, pimentão, repolho mel e uvas são também alimentos ricos em enxofre.
- Evitar carne gordurosa
- Evitar frituras
- Evitar bebidas alcoólicas e mesmo as gaseificadas
- Evitar o jejum prolongado
- Consumo adequado de água. Diariamente perdemos cerca de 2,5l de água pelo suor, urina e respiração. Uma boa parte é reposta através duma alimentação adequada o restante deve ser compensado – através da ingestão direta em intervalos frequentes. É por isso que se recomenda uma ingestão diária entre 1,5l a 2l dependendo das condições atmosféricas e quantidade de exercício físico. Normalmente quando sentimos sede quer dizer que o corpo já esta em desidratação. Outro sinal de desidratação é a urina de cor escura.
Os alimentos podem causar mau hálito por via oral e sistémica. Ainda que ao principio a maior parte da halitose seja de origem oral (ex. restos alimentares que ficam em boca), ao fim de 3 horas a maioria do mau hálito tem origem sistémica, nomeadamente porque após se ter dado a absorção intestinal dos alimentos, os compostos causadores de mau hálito passam para a corrente sanguínea sendo libertados a pouco e pouco através dos alvéolos pulmonares ou seja através da respiração.
Recentemente tem havido alguma pesquisa no sentido dos medicamentos probióticos ou seja medicamentos cujo objetivo é nutrir as bactérias boas que temos na boca de forma a tornar o ecossistema oral mais equilibrado ou seja com menos bactérias responsáveis pela produção de odores desagradáveis. No caso de ter sido despistada patologia associada à halitose, seja do foro oral seja do foro sistémico, a evolução do tratamento da halitose dependerá obviamente do êxito do tratamento da patologia subjacente (ex: periodontite, sinusite, etc).
Excelente artigo. Este é um problema que atinge muitas pessoas.
É um problema que atinge muitas pessoas e que causa grande constrangimento a nível social.